Especial DP
A saúde gaúcha pede socorro
Com repasses estaduais atrasados ou parciais, os atendimentos foram reduzidos ou mesmo interrompidos na maioria das instituições
Na Santa Casa de Jaguarão, desde janeiro as cirurgias eletivas e os exames de mamografia estavam paralisados (Foto: Paulo Rossi-DP)
Na voz das 245 Santas Casas e hospitais filantrópicos que atendem a toda população gaúcha, as mesmas reclamações, preocupações e incertezas. Com repasses estaduais atrasados ou parciais, os atendimentos foram reduzidos ou mesmo interrompidos na maioria das instituições. Na lista de dificuldades ainda figuram demissões, salários atrasados, redução de leitos e de internações. Os transtornos são reflexo de uma dívida que já ultrapassa os R$ 1,4 bilhão, sendo destes, R$ 144 milhões referentes apenas aos quatro primeiros meses deste ano, período que os hospitais estão sem receber verbas de programas. Em Jaguarão isto implicou na redução pela metade da prestação dos serviços, em Canguçu na possibilidade de redução de leitos ofertados pelo SUS e, em São Lourenço do Sul, no risco de os atendimentos serem apenas de urgência e emergência.
Em uma das instituições mais afetadas pela crise financeira do Estado, a Santa Casa de Jaguarão, de janeiro até este mês as cirurgias eletivas e os exames de mamografia, referência para outros seis municípios, estavam paralisados. Os salários dos funcionários e do corpo médico vem sendo pagos parcialmente, de acordo com a verba recebida, que também é parcial. As internações têm sido realizadas com cautela e a orientação passada à população é de que os postos de saúde sejam buscados em um primeiro momento e, o hospital, só para realizar procedimentos que estes não têm capacidade para fazer.
Para a presidente Dolores Gaidarji, o maior desafio é a incerteza que se faz presente mês a mês quanto à realização de repasses ou não, de quanto será e quando. “Ligo todo dia para Porto Alegre em busca de uma previsão, uma confirmação, mas ninguém tem o que nos dizer.” Atualmente vem sendo pago ao hospital 50% do contrato que existe com o Estado, que tem o valor de R$ 376 mil. Em função disto, a partir desta semana, os atendimentos também serão reduzidos pela metade. “Se tu recebe 50%, tu vai atender 50%. Não temos condições de fazer mais.” A medida diz respeito também às cirurgias eletivas e aos exames de mamografia, que serão retomados nestes mesmos moldes.
O atual cenário não é um problema apenas para a gestão. Apreensivos, os funcionários e médicos sentem na pele a
incerteza tanto quanto ao recebimento dos salários quanto a de que terão materiais e equipamentos para seguirem trabalhando. Na Santa Casa de Jaguarão esta situação levou à formação de uma comissão, que intermedeia o diálogo dos demais empregados com a equipe diretiva e também busca por respostas junto ao governo estadual. Ao mostrar diversos leitos vazios e quartos sem pacientes, a enfermeira assistencial Caroline Gonçalves afirma que o descontentamento é geral por parte da equipe. “Nessa situação a gente acaba se endividando e os problemas se acumulam. Às vezes transparecemos para os familiares, o que aumenta ainda mais nossa aflição.” Já a funcionária do setor de internação, compras e lavanderia Elisa Gonçalves, não esconde que o recebimento parcial dos salários e o clima de preocupação nos corredores do hospital já a levaram a pensar em um desligamento da função. “É claro que a gente pensa nisso, mas também existe toda uma ligação com o lugar. Trabalho há dez anos aqui e já passei por diversas crises, mas nenhuma parecida com essa, que nos deixa sem perspectiva.”
A imagem do hospital também perdeu credibilidade junto aos fornecedores. Hoje as compras são feitas somente à vista, por opção das empresas, e quando não há resistência por parte destes para a negociação devido às dívidas já existentes. A farmacêutica Ana Amélia de Faria afirma que a compra de medicamentos, por exemplo, se tornou um grande desafio já que estes registraram um aumento significativo do último ano para este e, a verba para a compra é irrisória. “O Estado exige que sigamos trabalhando, mas não nos dá condições para isto. Então, o que faremos é atender o que será possível dentro deste repasse.”
No Pronto-Socorro, Paulo Eduardo e Paulo Rogério defendem o atendimento no hospital (Foto: Paulo Rossi - DP)
O que tem sido fundamental para a Santa Casa, o único hospital do município, é o apoio da comunidade, como aponta a presidente. A população tem doado alimentos e também dinheiro em forma de ajuda à instituição. A compreensão também é algo que faz diferença em um quadro como este que se apresenta. No aguardo de atendimento no Pronto-Socorro, Paulo Rogério Nobre diz sentir a diferença no serviço anteriormente ofertado pela Santa Casa e o atual, mas ressalta que entende as limitações do presente momento. “A gente tem é que agradecer que o pessoal tá se esforçando mesmo com tanta dificuldade e que ainda está de portas abertas”. Paulo Tavares, que também aguardava no PS durante a visita da reportagem do Diário Popular, afirma que a possibilidade de fechamento nem deve ser mencionada. “Temos um atendimento muito bom aqui, já utilizei diversas vezes. Não temos condições de ficar sem.”
Não há para quem recorrer
Em virtude da sua situação financeira, a Santa Casa de Jaguarão estava transferindo pacientes para Pelotas e, as gestantes, a Santa Vitória do Palmar. O movimento é comum nestes casos, mas enfrenta, atualmente, o desafio de que o quadro registrado em Jaguarão é o mesmo em Pelotas, em Santa Vitória e nas demais cidades da região. O presidente da Fe deração das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do RS, Francisco Ferrer, ressalta que não há uma instituição que fuja deste cenário beirando o colapso. Em Canguçu, por exemplo, o Hospital de Caridade esteve praticamente parado nos meses de janeiro e fevereiro, sem a realização de cirurgias e novas internações na UTI. De acordo com o administrador Regis Pinto e Silva, os serviços foram retomados em março, mas estão sendo analisados quanto a sua continuidade. Um estudo está sendo realizado para que sejam diminuídos os leitos ofertados pelo SUS, já que sem o repasse não há como custeá-los. A alternativa é o financiamento de R$ 14 milhões que o HCC está pleiteando junto ao BNDES. No último mês, apenas R$ 300 mil, do contrato de R$ 800 mil, foi pago pelo Estado.
Camas vazias na enfermaria clínica. Sem verba não há como prestar serviço completo (Foto: Paulo Rossi-DP)
Já em São Lourenço do Sul, o presidente José Ney Lamas conta que uma reunião marcada para hoje deverá decidir os rumos do funcionamento do hospital. A possibilidade é que os atendimentos fiquem restritos a urgência e emergência. Lamas ressalta que apenas 30% da verba tem sido repassada e que há médicos com salários atrasados por mais de dois meses. A dívida, em aberto desde 2014, chega a R$10 milhões. Em Pelotas a Santa Casa de Misericórdia também sente as dificuldades dos repasses, mas está com os serviços e a folha de pagamento em dia.
Para Ferrer, o mais preocupante é que esta situação, já problemática, tende a se agravar. “Lidamos com um silêncio ensurdecedor por parte do Governo e uma enorme falta de perspectiva. A única resposta é que não tem dinheiro. Reconhecemos a crise, mas acreditamos também que existe ausência de sensibilidade e vontade política.”
De poucas palavras
Por meio de sua assessoria de comunicação, Secretaria Estadual da Saúde (SES) informou que não realiza entrevistas sobre a crise financeira vivenciada pelos hospitais gaúchos e que as manifestações são unicamente através de notas. Em uma destas, informou que na última sexta-feira foi realizado o pagamento de R$ 70 milhões aos hospitais que prestam atendimento pelo SUS. Nesta segunda-feira também foram liberados recursos federais no total de R$ 50 milhões, sendo destes R$ 18 milhões destinados ao pagamento de 70% da produção de serviços correspondentes ao mês de fevereiro de 2016. Também foram pagos R$ 32 milhões para quitar 70% dos atendimentos de média e alta complexidade (MAC), realizados em março. Nesta terça, a SES/RS repassou um total de R$ 20 milhões do Tesouro do Estado para os hospitais públicos e próprios.
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